quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pajelança Urbana


Uso religioso de psicoativos desperta interesse entre os brasileiros.

Desde os primórdios da humanidade o homem utiliza as plantas e substâncias alucinógenas e psicoativas para atingir o êxtase religioso para tentar alcançar a divindade. Nas mais variadas culturas nota-se o uso destes sacramentos entre grupos religiosos: a cannabis entre candomblés brasileiros e os Rastafari da Jamaica, a jurema no catimbós pernambucanos, o peyote na América Central. Atualmente cerca de setenta grupos indígenas fazem uso da ayahuasca na Amazônia Ocidental.
Para os que utilizam as plantas alucinógenas ou as chamadas “plantas de poder”, a crença é que elas são habitadas por um espírito divino, que se comunica e ensina. “Através da história percebemos que o homem utiliza-se destes alucinógenos para reforçar a sua identidade étnica, marcar rituais de passagem e para transmitir valores culturais” diz o psicólogo Paulo Roberto de Souza, Líder da Igreja Céu do Mar, no Rio de Janeiro, um dos pontos irradiadores do Santo Daime para o sudeste do país.
Dentre todas as “plantas de poder”, as que compõe a bebida ayahuasca ou Santo Daime, estão sendo alvo da pesquisa de antropólogos e cientistas na atualidade. A ayahuasca era uma bebida sagrada, tomada somente pela família real inca, alguns sacerdotes e destacados guerreiros.
Entre os grupos religiosos que fazem uso do chá ayahuasca em seus rituais, a seita acreana Santo Daime conheceu a fama nos final dos anos 80 quando a imprensa lhe destinou páginas e páginas – principalmente por causa da conversão à seita de diversos artistas. Entre os mais famosos estavam Lucélia Santos, Ney Matogrosso e Maitê Proença.Atualmente estima-se cerca de 10.000 seguidores da doutrina no Brasil e no mundo. As igrejas estão legalmente instaladas em quase todos os estados brasileiros e também em outros países como Inglaterra, Holanda, Estados Unidos, Japão, Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela e Portugal.
O chá é o resultado da fervura de duas plantas da floresta amazônica em água. O cipó Jagube (Banisteriopsis caapie) e a folha Rainha (psicotria viridis). A folha da Rainha, que deve ser colhida somente por mulheres, contém o princípio ativo DMT (Dimetiltriptamina). Os homens são responsáveis pelo corte do cipó, que contém alcalóides beta-carbolinas: a Harmina, a Harmalina e a Tetrahidroharmina. As alterações no corpo e na percepção provocadas pela bebida são produzidas pela interação dos alcalóides e da DMT. O Brasil é o único país em que se desenvolveram religiões não indígenas que fazem uso da bebida. As três principais são o Santo Daime, fundado em 1930 por Raimundo Irineu Serra (que rebatizou a bebida com o nome de “Daime”), a Barquinha fundada em 1945 por Daniel Pereira de Mattos e a União do Vegetal criada na década de 60 por José Gabriel da Costa. As doutrinas destas seitas foram influenciadas pelo catolicismo, além de tradições africanas e espíritas.
As religiões que utilizam a ayahuasca sofreram perseguições entre os anos de 1985 e 1987, quando a substância foi considerada proscrita pelo Ministério da Saúde. A partir de então foi constituída uma comissão de estudos do Conselho Federal de Entorpecentes que se propôs a estudar os efeitos do chá durante dois anos. Em 1989 o Conselho tomou uma decisão favorável que retirou a substancia da ilegalidade e em 1992 outras tentativas de proibição foram realizadas, mas todas sem sucesso.

Cura indígena na metrópole

Entre os adeptos da “Doutrina da Floresta”, muitos consideram o chá como um instrumento de elevação e cura espiritual. A ayahuasca também é utilizada no combate a drogas ilegais como o crack e a cocaína. A Igreja “Céu Nossa Senhora da Conceição”, em Pariquera Açu – SP, dirige um trabalho especialmente dedicado à cura de dependentes químicos. Segundo o líder da comunidade Gideon dos Alakotas, o Daime (ayahuasca) já tirou muitas pessoas das drogas; “existem muitos ex-viciados entre nós” explicou. O trabalho terapêutico administrado na Igreja atrai grupos de diversas cidades de São Paulo. Para Alokotas, o estado alterado de consciência induzido pela ingestão da beberagem sagrada pode ajudar uma pessoa a compreender as razões reais de teus traumas e ter acesso à solução e como usá-las, inclusive se livrar de vícios.
Para os que estão se iniciando na Doutrina do Santo Daime o medo é a maior preocupação, afinal, ninguém tem a menor idéia do que vai acontecer quando o chá começa a fazer efeito. Durantes os “trabalhos” os daimistas costumam dizer que cada um tem a sua própria “miração” - visões provocadas pelo efeito do chá, e a “peia” – mal estar acompanhado de vômitos ou tonturas.
Em Jundiaí, a igreja “Confederação Estelar” é uma das duas igrejas daimistas da cidade. A outra, “Fraternidade do Coração”, instalada em uma ampla chácara na Serra do Japi, atrai cerca de 60 adeptos em seus trabalhos aos fins de semana.
Para a primeira “fardada” (membro da doutrina) de Jundiaí, Dolores Gimenez Gonzales, espanhola que há 30 anos é radicalizada na cidade e que freqüenta o culto há 15, o daime é a fonte de inspiração para os momentos difíceis: “Com o daime consigo ver as respostas para todos os problemas de forma muito clara”. Para muitos outros, a conversão à doutrina resultou em mudanças drásticas de comportamento: “depois que comecei a tomar Daime, parei de beber e de fumar e hoje procuro me preocupar mais com o interior que com o exterior”, diz a praticante Deborah Cotrim adepta da seita há dois anos.

Preconceito

Os daimistas ainda sofrem com o preconceito que sua crença gera na sociedade: “tem muita gente que acha que nós somos viciados e que o chá não tem nada de espiritual” diz um praticante que não quis se identificar.
Segundo Dolores, o chá também atrai pessoas interessadas apenas em ficar “loucas” ou apenas experimentar os efeitos: “mais quando eles tomam o daime, a grande maioria percebe a força espiritual da bebida, mais tem os que nunca mais voltam porque passaram mal”.
Para tomar o chá em igrejas do Santo Daime no Brasil é necessário preencher um termo de responsabilidade e ser maior de dezoito anos, além de manter um jejum de carne e sexo, por três dias antes da ingestão da bebida e três dias depois. Nos trabalhos, que duram até 12 horas, os fiéis tomam o chá, cantam e “bailam” ao som dos maracás (instrumentos de percussão indígenas) e dos hinos, que são “recebidos” do Astral pelos fardados.
Para os daimistas, a experiência de tomar o daime não pode ser descrita e sim sentida. A vivência subjetiva que as plantas alucinógenas oferecem é a fonte de inspiração para os adeptos das religiões que utilizam psicoativos. Através das “mirações”, os adeptos podem compreender suas questões humanas e sociais com o objetivo de se harmonizar, um exercício individual e sobretudo, íntimo: “aqui ninguém faz a cabeça de ninguém” defendeu Dolores.
Raimundo Irineu Serra, o Mestre fundador do Santo Daime, dizia que o novo nome da bebida era “Daime”, do verbo dar. “Dai-me amor, dai-me luz”, estes deveriam ser os pedidos dos que comungam a bebida que, segundo Irineu “tem um poder inacreditável”.

Rafael Vertuan

Eram os deuses alcalóides?

Conheça alguns psicoativos utilizados em comunidades religiosas:
Amanita Muscaria - Este cogumelos alucinógenos são usados no México, Guatemala e Amazonas em rituais religiosos e por curandeiros. As primeiras referências ao seu consumo foram encontradas na Índia, onde era conhecido como o néctar Soma.
Cannabis Sativa - A popular Maconha já era utilizada em rituais religiosos hindus que seguem o deus Shiva. Nos antigos candomblés brasileiros a “Diamba” era utilizada antes dos rituais para facilitar a incorporação dos orixás. Os Rastas também fazem desta erva sua fonte de conexão com Jah (Deus).
Salvia Divinorum – Os índios Mazatecas mexicanos utilizam esta erva para curas e fins religiosos. Os jovens europeus estão utilizando a sálvia como substituta da maconha, já que a erva não é considerada ilegal.
Jurema (Mimosa hostilis)- A beberagem utilizada nos catimbós e candomblés do nordeste é também utilizada pelos índios e caboclos brasileiros. Esta planta brasileira contém o mesmo princípio ativo da Ayahuasca, a DMT.
Peyote – Este cacto, que brota em desertos dos Estados Unidos e do México, é utilizado pelos índios norte-americanos e por grupos neo-xamanicos, como a Igreja Nativa Americana. Um dos mais entusiasmados adeptos do peiote foi o descobridor do DNA Francis Crick.
Igboga – A casca desta árvore é utilizada em rituais de religiões tribais do Gabão, Angola Guiné e Camarões. A arvore é considerada sagrada e há dezenas de templos dedicados a ela nestes paises.


FOTO 1 - Mestre Irineu
FOTO 2 - Funeral de Mestre Irineu
FOTO 3 - Catimbó